quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Uma mesa de 20mg.

De Giovana Madalosso.

Houve um tempo em que uma mesa de bar era formada por um comunista, um liberal, um existencialista e um niilista. Sento no boteco e olho ao meu redor: estou no meio de um bipolar, uma obsessiva-compulsiva, uma depressiva, um maníaco e uma amiga que se diz normal, muito normal, mas tem dez saquinhos de açúcar picotados à sua frente.
Se na velha mesa o assunto era o barbudo fumador de charutos, aqui também, só que aquele atendia por Fidel, e este, por Freud. Não há uma bunda nessa mesa que nunca tenha sentado num divã ou defecado algum resíduo de tarja preta, nem que tenha sido um lexontanzinho básico, tomado com o inocente intuito de curar um chifre ou uma demissão de emprego.
A desenvoltura com o tema é impressionante. Recomendam psiquiatras como se recomendassem restaurantes, analisando atendimento, preço e até localização, que a obssesiva-compulsiva julga ser fundamental, pois se acabar o remédio ela pode pegar a receita em cinco minutos e ir correndo para a farmácia. Ou melhor, saltitando, já que moça só consegue andar na parte preta da calçada. O bipolar concorda e conta que, graças à sua enfermidade, já ganhou do programa de recompensas da farmácia um liquidificador, uma batedeira e uma centrífuga; mais um pouco e tem um enxoval completo, o que não quer dizer muita coisa, já que ele também é gamofóbico (para os leigos: tem fobia de casamento).
A depressiva pede para mudar de assunto, pois seu diagnóstico é justamente a depressão pós-término. Depressão pós-quê? No meu tempo isso se chamava fossa e o tratamento consistia em chorar uma semana ao som de Gal Costa e depois sair dando para Deus e todo mundo, mas agora, com tanta alopatia por aí, quem precisa tirar a roupa e sair se divertindo para esquecer o ex?
Lembro com saudades do tempo em que eu perguntava aos meus amigos se eles tinham alguma parada e eles me passavam um baseadinho. O que recebo agora é uma fluoxetina, seguido de um "experimenta, a onda é boa, e você nem precisa se esconder no banheiro". E eu lá preciso de remédio? Precisa sim, querida, uma pessoa que come todos os pastéis da mesa e depois chupa o caroço da azeitona só pode estar sofrendo de ansiedade crônica.
Não sei se estamos mais doentes, mais diagnosticados ou os dois. O que sei é que estamos mais individualistas e patologicamente corretos. Ninguém vai sair fazendo barricadas ou quebrando guitarras no palco, afinal esses são atos de violência gratuita, coisa de gente não analisada.
Folgo em saber que nossos heróis não vão morrer de overdose, só espero que não morram de letargia.

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