quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Exercícios de pontuação amorosa.

De Xico Sá.

Sim, homem é frouxo, só usa vírgula, no máximo um ponto e virgula; jamais um ponto final.
Sim, o amor acaba, como sentenciou a mais bela das crônicas de Paulo Mendes Campos: “Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar...”
Acaba, mas só as mulheres têm a coragem de pingar o ponto da caneta-tinteiro do amor. E pronto. Às vezes com três exclamações, como nas manchetes sangrentas de antigamente.
Sem reticências...
Mesmo, em algumas ocasiões, contra a vontade. Sábias, sabem que não faz sentido prorrogação, os pênaltis, deixar o destino decidir na morte súbita.
O homem até cria motivos a mais para que a mulher diga basta, chega, é o fim!!!
O macho pode até sair para comprar cigarro na esquina e nunca mais voltar. E sair por ai dando baforadas aflitas no king-size do abandono, no Continental sem filtro da covardia e do desamor.
Mulher se acaba, mas diz na lata, sem mané-metáforas.
Melhor mesmo para os dois lados, é que haja o maior barraco. Um quebra-quebra miserável, celular contra a parede, controle remoto no teto, óculos na maré, acusações mútuas, o diabo-a-quatro, barraqueiros corazones.
O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada.
Nem no Crato... nem na Suécia.
Se ama de verdade, nem o mais frio dos esquimós consegue escrever o “the end” sem uma quebradeira monstruosa.
Fim de amor sem baixarias é o atestado, com reconhecimento de firma e carimbo do cartório, de que o amor ali não mais estava.
O mais frio, o mais “cool” dos ingleses estrebucha e fura o disco dos Smiths, I Am Human, sim, demasiadamente humano esse barraco sem fim.
O que não pode é sair por ai assobiando, camisa aberta, relax, chutando as tampinhas da indiferença para dentro dos bueiros das calçadas e do tempo.
O fim do amor exige uma viuvez, um luto, não pode simplesmente pular o muro do reino da Carençolândia para exilar-se, com mala e cuia, com a primeira criatura ou com o primeiro traste que aparece pela frente.
E vamos ficando por aqui, pois já derrapei na curva da auto-ajuda como uma Kombi velha na Serra do Mar... e já já descambarei, eu me conheço, para o mundo picareta de Paulo Coelho. Vade retro.

Xico Sá é cronista do Blônicas.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Ninguém sabe viralizar como o Coringa

Quer saber o que é efeito viral? Vá ver o novo Batman. O Coringa faz tudo aquilo que estamos sempre tentando convencer nossos clientes a fazer: ações diferenciadas para integrar todas as mídias.

E lá fui eu assistir ao novo filme do Batman (ou “Batemãe”, para os maldosos). Um pouco desconfiado no início, pois tinha medo de ser apenas mais um episódio do “007 mascarado”. Mas já que todo mundo estava falando tão bem, resolvi arriscar. E não me arrependi nem um pouco, pois não imaginava que fosse ver exemplos tão bons de marketing viral.
Esse filme, aliás, já começou a ser viralizado muito antes do seu lançamento. O ator que fez o vilão apareceu morto misteriosamente em um quarto de hotel. O que fez o “mocinho” agredir a mãe e a irmã durante a turnê de pré-estréia. Ou seja, quem não vai querer ver um filme que perturbou tanto a cabeça dos dois principais protagonistas?
Pra ajudar, algumas ações na internet (pistas de uma caça ao tesouro espalhadas no mundo inteiro, site de uma agência de viagens fictícia) aumentaram ainda mais a curiosidade do público. E para minha surpresa, o próprio enredo é uma verdadeira aula de como fazer um viral de sucesso.
O professor, claro, é o Coringa. Ele faz tudo aquilo que estamos sempre tentando convencer nossos clientes a fazer: ações diferenciadas para integrar todas as mídias. Transmite vídeos caseiros em broadcast pela TV, faz inúmeras intervenções ao vivo por celular, envia malas diretas para explodir carros, transforma a carta de baralho do Joker em um ‘teaser’ para assassinatos e, claro, usa como ninguém o marketing de guerrilha (no caso, literalmente).
Até o conceito do “pull media” ele aproveita: em vez de armar uma emboscada em algum lugar e levar todos os inimigos até lá – como qualquer bom malfeitor faria –, ele prefere invadir a festa onde todos já estão juntos. Ou seja, um “vilão 2.0″ explorando a comunicação 360º em nome do mal.
Mas o que mais me impressionou foi a capacidade do Coringa de manipular a opinião pública sem gastar quase nada. Como ele mesmo diz na cena em que queima uma pilha de dinheiro dos mafiosos, “eu só preciso de coisas baratas: gasolina e pólvora”.
Essa é uma lição que nosso mercado tem que aprender: não é preciso gastar milhões de reais para atingir milhões de pessoas. Os argentinos, por exemplo, durante a crise econômica, tiveram que criar campanhas com pouquíssima verba – e viraram referência de linguagem no mundo inteiro. Enquanto isso, nossa criatividade continua caindo junto com o risco-país.
O Coringa até inventou uma nova maneira de usar a mecânica do “clique e envie para alguém”: criou uma idéia simples, barata e que também funciona como pesquisa de opinião – no caso, para quem já viu o filme, estou me referindo à cena das pessoas divididas em dois barcos, cada grupo com um “brinquedinho interativo”. E para quem ainda não viu o filme, um conselho: vá assistir como se estivesse indo a uma palestra de três horas sobre marketing viral. É praticamente um MBA em Gotham City.
Afinal, precisamos aprender a ser menos Batman e mais Coringa. Enquanto o primeiro gasta fortunas em carros, motos e roupas, o segundo só precisa de um kit de maquiagem vagabundo para conseguir o mesmo destaque.
Fazendo um paralelo com a publicidade, você pode ganhar um leão de ouro em Cannes com uma mega produção – como o filme da Sony Bravia, com os coelhinhos de massinha colorida – ou com um roteiro simples e original – como o comercial dos quatro palhaços ouvindo música dentro do carro, para o Festival de Filme Independente de Buenos Aires.
E para nós é muito mais fácil – e bem mais divertido – seguir o mesmo atalho trilhado por nossos ‘hermanos’ do que tentar atingir o patamar de verba dos americanos.
E convenhamos: com a fortuna do Bruce Wayne é fácil ser um super-herói.
[Webinsider]

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Um perdido numa noite muito suja!

Hoje acordei assim, pesado - azarado – ríspido - sujo, um tanto lento demais para acompanhar e compreender complexos das coisas mundanas como um maníaco – depressivo em seu estado mais desordenado.

Sonhos perdidos, vontades jogadas no lixo, cenas e letras que tanto repudiei pensando que jamais pudera acontecer comigo. Pois acreditei. Como uma criança crê no conto – do – vigário – do – Papai – Noel. Hoje acordo confuso, emaranhado, totalmente implexo por não entender quase nada, e tudo que é necessário é só compreender e aceitar. Mas, como aceitar? Como se distanciar? Como encarar tudo novamente? Como se nada tivera acontecido, o mundo anda tão pesado e eu também.

Não tenho mais saco e nem paciência suficiente para aceitar tais condições que essa vida - de - droga - com - drogas me permite. Na noite de ontem saí por ai, atrás de qualquer uma emoção que me tocasse nesses pequenos pedaços que ainda me sobram no peito. Ao sentar com a pessoa com quem fui me encontrar, logo cheguei e perguntei:

- E ai, tudo bem com você ?

- Estou melhor agora. Ela disse.

Puta que pariu, fudeu tudo!

Mais uma, já era! Porra, odeio mulheres - solteiras – empolgadas – com – a – oportunidade – da - transa – que – há – meses – não – obtém.

Sempre querendo forçar a colocar uma coleira em um cachorro que já existe dono. Completamente abandonado, mas, ainda existe o dono.

Intricada se torna minha cabeça com as imensas oportunidades para dizer à essas moças o que realmente gostaria de dizer:

- Qual é a tua guria?

- Será que não dava pra gente encerrar o papo, pedir a conta e ir para um motel o mais rápido possível? Eu saí mesmo só pra gozar e nada mais, poder ser?

Eu prefiro desenrolar tudo, para deixar sempre bem nítido o que sempre quero com vocês.

- Não queria perder meu tempo em papos fúteis como: qual é seu signo? Quem é seu ascendente? Você já amou alguma vez? Já traíste? Já foi traído? Você já teve alguma relação homossexual? Quantas tempo você já conseguiu ficar fazendo sexo?

Porra, mas que merda, olha aonde fui me arranjar, primeiro, todo mundo um dia já amou, já trai sim e trai porquê não gostava, e pelo o que me consta até um tempo atrás achava que fora traído mas não fui, e caralho, como um homem em sua virilidade plena pode ter relações homossexuais? É muita babaquice, com tanto de mulher - supernúmerosas, batendo na canela, e preferir se esfregar pelo - com - pelo? Para mim é um tanto asqueroso e baixo demais para mim. E digo logo, sou tarado - maníaco - sexual - do - park, posso ficar horas, dias, meses e quem sabe anos transando, desde de que eu ame de verdade a pessoa.

- Não quero este tipo de papo, mas, se você falar de você e apenas de suas vontades já me deixa feliz, pois ao menos alguém está disposto a colocar um papo na mesa.

- Eu prefiro cigarros mais fracos porquê tendem a dar menos pigarro. Ela diz.

E retruco logo em seguida:

- Eu prefiro cigarros mais fortes porquê sempre me dão pigarro e sempre estou cuspindo umas bolas pretas, causando uma sensação de alegria - e - mal - estar por sempre ver que meu pulmão se vai e minhas horas diminuindo cada vez mais e me sinto tristonho por ter que usar um vício maravilhoso que é fumar para acabar meus minutos aqui na terra.

Odeio perder tempo nessas firulas de primeiros encontros, transa só a partir da terceira noite, beijo só na despedida, ah, vá se fuder, eu quero te comer, não quero me apaixonar e muito menos ficar construindo sonhos que me parece um tanto retrógado à um passado vigente que ainda vive no meu presente e que me despedaça por dentro todas as noites que gozo e sinto o vazio por dentro.

Lembro dos sonhos perdidos, vontades jogadas no lixo, cenas e letras que tanto repudiei pensando que jamais pudera acontecer comigo. Pois acreditei. Como uma criança crê no conto – do – vigário – do – papai – Noel.

Sei que não devo usar tanta armadura para a minha vida e que isso vai me impedir de viver outras coisas, mas, que diferença faz, aquilo que eu realmente quero para mim é aquilo que me agrada – mas – desagrada e eu não posso ter. Mas amo isso que me agrada - desagrada.

Enfim.

Prefiro ficar na sombra do superficial e do que ficar vulnerável à dores futuras.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Trechos

"Mas se eu tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais -por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia –qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido.Eu prefiro viver a ilusão do quase, quando estou "quase" certa que desistindo naquele momento vou levar comigo uma coisa bonita. Quando eu "quase" tenho certeza que insistir naquilo vai me fazer sofrer, que insistir em algo ou alguém pode não terminar da melhor maneira, que pode não ser do jeito que eu queria que fosse, eu jogo tudo pro alto, sem arrependimentos futuros! Eu prefiro viver com a incerteza de poder ter dado certo, que com a certeza de ter acabado em dor. Talvez loucura, medo, eu diria covardia, loucura quem sabe!”

:*

"E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer. Destruir antes que cresça. Com requintes, com sofreguidão, com textos que me vêm prontos e faces que se sobrepõem às outras. Para que não me firam, minto. E tomo a providência cuidadosa de eu mesmo me ferir, sem prestar atenção se estou ferindo o outro também. Não queria fazer mal a você. Não queria que você chorasse. Não queria cobrar absolutamente nada. Por que o Zen de repente escapa e se transforma em Sem? Sem que se consiga controlar".

:*

"Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente?No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço.A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poçodo poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? Agente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gentenão morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói.Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê."

:*

"(...)Claro que você não tem culpa, coração, caímos exatamente na mesma ratoeira, a única diferença é que você pensa que pode escapar, e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodka, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing special, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída, ah não se preocupe, meu bem, depois que você sair tomo banho frio, leite quente com mel de eucalipto, gin-seng e lexotan,depois deito, depois durmo, depois acordo e passo uma semana a ban-chá e arroz integral, absolutamente santa, absolutamente pura, absolutamente limpa, depois tomo outro porre, cheiro cinco gramas, bato o carro numa esquina ou ligo para o CVV às quatro da madrugada e alugo a cabeça dum panaca qualquer choramingando coisas do tipo preciso-tanto-de-uma-razão-para-viver-e-sei-que-esta-razão-só-está-dentro-de-mim-bababá-bababá, até o sol pintar atrás daqueles edifícios, não vou tomar nenhuma medida drástica, a não ser continuar, tem coisa mais destrutiva que insistir sem fé nenhuma?”

:*

“Ando angustiada demais, meu amigo, palavrinha antiga essa, angústia, duas décadas de convívio cotidiano, mas ando, ando, tenho uma coisa apertada aqui no meu peito, um sufoco, uma sede, um peso, não me venha com essas história de atraiçoamos-todos-os-nossos-ideais, nunca tive porra de ideal nenhum, só queria era salvar a minha, ,veja só que coisa mais individualista elitista, capitalista, só queria ser feliz, cara.”

:*

“Num deserto de almas também desertas, uma alma especial reconhece de imediato a outra.”

:*

"Então me vens e me chega e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será cumprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque assim que és..."

:*

"Em luta, meu ser se parte em dois. Um que foge, outro que aceita. O que aceita diz: não. Eu não quero pensar no que virá: quero pensar no que é. Agora. No que está sendo. Pensar no que ainda não veio é fugir, buscar apoio em coisas externas a mim, de cuja consistência não posso duvidar porque não a conheço. Pensar no que está sendo, ou antes, não, não pensar, mas enfrentar e penetrar no que está sendo é coragem. Pensar é ainda fuga: aprender subjetivamente a realidade de maneira a não assustar. Entrar nela significa viver."

O que vem fácil, vai fácil!

Não sei aonde nos perdermos, mas, sei aonde pecamos, e sei que ficar tentando encontrar estes ínfimos pontos nada vai adiantar, pois não trará você de volta para mim.
Um dia se arrependerá amargamente pelo triste fim que quiserdes ter, e que ainda pensará em mim nos seus momentos mais difíceis, pois era a sua mão que eu sempre segurava para lhe deixar sempre tranqüila e dizer:
- Eu estou aqui, para o que der e vier, jamais quero soltar tua mão.
Pois, dou minha vida em troca de sua felicidade.
Na tua presença minha mão sua
Meu corpo treme
Meu coração pulsa
Meus pensamentos se embaralham
E ela torna-se mais confusa do que já é.
Na tua ausência meu corpo pesa
Meu corpo padece
Meu coração morre
Meus pensamentos se voltam para você
E ela torna-se a arma mais fatal contra o esquecimento que tanto desejo para mim poder repousar e dormir sossegado, mesmo sabendo que você não me quis.
Que se faça do ódio nossa distancia, pois pelo amor torna-se impossível.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Paixão


Está escrito na fachada: "Isso é um lar".

De Xico Sá.

Noves fora o “homem de predinho antigo”, aquela criatura que adora um pé-direito alto, um sofá de época e uma luz indireta, o macho solteiro é um desastre no capítulo decoração.

Tem lá o seu sofá velho, a sua tv, uma cama barulhenta, três ou quatro panelas _sem cabo_ encarvoadas pelo tempo, e copos de requeijão, muitos copos de requeijão, alguns deles ainda com um pedaço do papel do rótulo. Se brincar, o cara coleciona também os velhos copos de geléia de mocotó, um primor de utensílio “vintage”.

E quando a fofa, toda fina e fresca, nova namorada, chega lá no muquifo com a sua garrafa de champanhe?! Procura, procura as taças, para fazer uma graça com o marmanjo, e nada. O jeito é beber Veuve Cliquot em copo de extrato de tomate.

Quem mandou apaixonar-se por um macho-jurubeba autêntico, que vem a ser justamente o avesso do metrossexual, aquele mancebo da moda que se lambuza de creminhos da Lancôme e decora o loft, sim, ele mora num loft, de acordo com as tendências da revista “Wallpaper”.

“Uó-o-qué, rapaz?, seje homi”, diria meu amigo Rinaldo, lá no sítio Acauã, de Chã Grande, a terra do chuchu, agreste pernambucano.

Pior é quando ela tenta mudar tudo. E põe aquele seu quadro caríssimo e de grife numa sala que não tem nem mesmo um sofá que preste?!

Um desastre.

A fofa, toda classe média metida a besta, não desiste nunca. Ai presenteia o bofe _sim, ela está doida e perdidinha pelo cabra!_ com uma batedeira prateada ultramoderna com 600 funções, que nunca será usada. Ai fica aquela batedeira high-tech fazendo companhia aos três pratos chinfrins e aos garfos tortos _como se o Uri Geller, aquele parapsicólogo que aparecia no “Fantástico” das antigas, tivesse jantado por lá ou feito faxina na área.

Ela começa a revirar geral, um deus-nos-acuda, numa casa onde ninguém havia mudado sequer uma planta de lugar. O reino vegetal, aliás, é outro ponto fraco do macho solteiro. Jarros, flores? Nem de plástico.

Na casa do homem solteiro típico, a utilidade triunfa sobre a estética. O cúmulo do utilitarismo.

Sofá da tia-avó vira cama, como diz a minha amiga D., co-autora dessa crônica. A cama vira sofá, a rede vira sofá e cobertor, o cobertor vira cortina preso à persiana...
A falta de cortina é outra marca registrada do desmantelo do cavaleiro solitário. Quando muito, papel filme.

Abajur? De jeito maneira. Tosco no último, ele não tem cultura de luz indireta, nem nunca terá, esqueça.

Outro traço de personalidade do macho solteiro: tudo que chega até a cozinha vira tupperware _aquelas embalagens plásticas de lasanha comprada pronta, caixinha de entrega de comida chinesa ou japonesa, potes de sorvete...

Melhor assim do que as frescuras do ex da minha amiga D., a mesma rapariga acima citada. Ela entrou na casa dele e logo ouviu a advertência, em altos brados: “Não pisa de salto no meu carpete de madeira!”

“Nooooosssssa!,” arreganharia a bocarra o velho Costinha, se vivo fosse.

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ha ha ha ha sá!

Existe sempre uma coisa Ausente - Caio F.

Paris — Toda vez que chego a Paris tenho um ritual particular. Depois de dormir algumas horas, dou uma espanada no rodenirterceiromundista e vou até Notre-Dame. Acendo vela, rezo, fico olhando a catedral imensa no coração do Ocidente. Sempre penso em Joana d’Arc, heroína dos meus remotos 12 anos; no caminho de Santiago de Compostela, do qual Notre-Dame é o ponto de partida — e em minha mãe, professora de História que, entre tantas coisas mais, me ensinou essa paixão pelo mundo e pelo tempo.Sempre acontecem coisas quando vou a Notre-Dame. Certa vez, encontrei um conhecido de Porto Alegre que não via pelo menos á2o anos. Outra, chegando de uma temporada penosa numa Londres congelada e aterrorizada por bombas do IRA, na época da Guerra do Golfo, tropecei numa greve de fome de curdos no jardim em frente. Na mais bonita dessas vezes, eu estava tristíssimo. Há meses não havia sol, ninguém mandava notícias de lugar algum, o dinheiro estava no fim, pessoas que eu considerava amigas tinham sido cruéis e desonestas. Pior que tudo, rondava um sentimento de desorientação. Aquela liberdade e falta de laços tão totais que tornam-se horríveis, e você pode então ir tanto para Botucatu quanto para Java, Budapeste ou Maputo — nada interessa. Viajante sofre muito: é o preço que se paga por querer ver “como um danado”,feito Pessoa. Eu sentia profunda falta de alguma coisa que não sabia o que era. Sabia só que doía, doía. Sem remédio.Enrolado num capotão da Segunda Guerra, naquela tarde em Notre-Dame rezei, acendi vela, pensei coisas do passado, da fantasia e memória, depois saí a caminhar. Parei numa vitrina cheia de obras do conde Saint-Germain, me perdi pelos bulevares da le dela Cité. Então sentei num banco do Quai de Bourbon, de costas para o Sena, acendi um cigarro e olhei para a casa em frente, no outro lado da rua. Na fachada estragada pelo tempo lia-se numa placa: “II y a toujours quelque choe d’abient qui me tourmente” (Existe sempre alguma coisa ausente que me atormenta) — frase de uma carta escrita por Camilie Claudel a Rodín, em 1886. Daquela casa, dizia aplaca, Camille saíra direto para o hospício, onde permaneceu até a morte. Perdida de amor, de talento e de loucura.Fazia frio, garoava fino sobre o Sena, daquelas garoas tão finas que mal chegam a molhar um cigarro. Copiei a frase numa agenda. E seja lá o que possa significar “ficar bem” dentro desse desconforto inseparável da condição, naquele momento justo e breve — fiquei bem. Tomei um Calvados, entrei numa galeria para ver os desenhos de Egon Schiele enquanto a frase de Camille assentava aos poucos na cabeça. Que algo sempre nos falta — o que chamamos de Deus, o que chamamos de amor, saúde, dinheiro, esperança ou paz. Sentir sede, faz parte. E atormenta.Como a vida é tecelã imprevisível, e ponto dado aqui vezenquando só vai ser arrematado lá na frente. Três anos depois fui parar em Saint-Nazaire, cidadezinha no estuário do rio Loire, fronteira sul da Bretanha. Lá, escrevi uma novela chamada Bem longe de Marienbad , homenagem mais à canção de Barbara que ao filme de Resnais. Uma tarde saí a caminhar procurando na mente uma epígrafe para o texto. Por “acaso”, fui dar na frente de um centro cultural chamado (oh!) Camille Claudel. Lembrei da agenda antiga, fui remexer papéis. E lá estava aquela frase que eu nem lembrava mais e era, sim, a epígrafe e síntese (quem sabe epitáfio, um dia) não só daquele texto, mas de todos os outros que escrevi até hoje. E do que não escrevi, mas vivi e vivo e viverei.Pego o metrô, vou conferir. Continua lá, a placa na fachada da casa número 1 do Quai de Bourbon, no mesmo lugar. Quando um dia você vier a Paris, procure. E se não vier, para seu próprio bem guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo.

O Estado de S. Paulo, 3/4/1994