quinta-feira, 3 de julho de 2008

Eu, eu mesmo nos merengues

“Zwei Seelen wohnen, ach! In meiner Brust, Die eine will sich vin der andern trennen (Duas almas habitam, ai, no meu peito, uma quer separar-se da outra).”“ Goethe.

“- Eu quero evoluir nesta vida. Preciso que meu caminho esteja livre de barreiras, para que eu possa voar sem peso nenhum”.

Ao acordar pela manhã, deparo-me com uma súbita vontade de levantar da cama para fumar um cigarro na varanda para pensar no que haveria de fazer em uma segunda-feira. Ao colocar os pés sobre o gelado do azulejo, tremo pela falta de compaixão de um chão que está frio a ponto de me congelar.

Não penso em nada, apenas vou ao encontro do local aonde sempre escondo o maço e o isqueiro. Reviro a gaveta e vejo novas lembranças que ando guardando a nove meses desde que o aniversário do ano passado me trouxe a inesperada surpresa de chegar, na antiga casa como se nada tivesse acontecido.

Abri a porta e assustei-me ao deparar com um vazio enorme. Mesa, louça, televisão, que zura, tudo, mas tudo por um mero acaso do esquecimento, pois não havia lembrado que no sábado de manhã seria a mudança para a nova casa da qual só tenho boas lembranças.

Ao colocar o cigarro entre os lábios, seguro o isqueiro na mão direita e fecho a gaveta com a mão esquerda, olho para trás e vejo eu mesmo perto da televisão, ligando e desligando a luz do abajur com a face assustada, os olhos tristes e um teor grosseiro de criança mimada. Vendo-o à desligar do abajur repetidamente, falo para ele:

-Qual é?

-Pare com isso, irás acabar queimando a lâmpada. Terás que comprar uma nova e colocá-la, sem precisar desgastar meu precioso bolso e tempo de vida.

-Pare com isso. Está chato já.

Ele pára, mas não esconde o medo e os olhos inchados, fruto de um lacrimejar derradeiro. Olho-o nos olhos e digo:

-Venha aqui fora comigo fumar um cigarro, tenho umas verdades para com você e gostaria muito de que me remetesses o que pensas sobre o que penso. Não quero que fique escorado aí para o lado e acabe caindo no esquecimento, venha aqui comigo, vem.

Estendo a mão para ele e o levanto sem força alguma, pois o sono era horrível, mas um mero esboço de seu sorriso se abre e entre segundos o vi olhando para meus olhos com um ar de culpado. Abro a porta e espero ele passar primeiro. Sento no piso gélido da varanda e ele faz o mesmo.

Acendo o isqueiro colocando a brasa no cigarro e dou uma tragada bem fraca com certo tom de prazer e desgosto por não conseguir livrar-me de tal vício. Olho para ele e o vejo fitar o horizonte com um teor internalizado e em seguida exclamo:

- Há muito tempo que passamos pelos pesares juntos e todas as vezes renascemos, nos tornarmos fortes e sentimos a esperança diante dos olhos, sempre a melhorar. Prometemos infinitas coisas que ambos desejamos no intuito de prezar nossa evolução. Fico muito feliz com tudo que vivemos e pensamos. Mas queria que você soubesse que não estou feliz por estares ao meu lado sempre fazendo represália a tudo que não vai ao seu encontro.

E Ele de repente sobe a voz em um tom alto, indignado:

- Não é assim - ele disse.

Dou uma tragada forte e tão rápido quanto fatal e rispidamente, digo a Ele:

- Cale a boca, ainda não terminei de falar. Você precisa aprender a ouvir um pouco mais, sabia? É verdade o que digo, sim. Você só precisa enxergar isto e aceitar.

Ele fica quieto e pede um trago. Quando passo o cigarro, percebo que sua mão está trêmula. Ele traga forte.

- Juntos formamos uma ambivalência terrivelmente assustadora, a ponto de alcançarmos extremos e ainda sermos rotulados de falsos ou hipócritas. Não aceito mais errar por querer.

Peço de volta a Ele o cigarro. Ele o devolve e eu dou uma tragada forte, seguro a fumaça um pouco mais e a solto bem devagar. E continuo:

- Quero que você ouça tudo o que tenho a dizer e espero não ouvir nenhuma exclamação ou corroboração no que lhe digo.

-Tenho muitas coisas engasgadas aqui dentro de mim. É dor, humilhação, criancices, “patetices”, crises de abandono e existenciais. Choros incontroláveis, inconseqüências memoráveis e tudo isso porque sempre deixei espaço para expressares o que sentias. Não quero mais viver assim. Já me basta ter que ouvir e ver tudo, sempre a dar meu ar de compreensão e respeito. Mas sinto que não posso firmar minha palavra, como um juramento, promessa ou qualquer coisa que faça a gente se sentir firme e forte para manter sempre uma postura. Nada disso para mim é suportável neste exato presente e quero que seja assim no futuro também.

Mas uma tragada forte, soltando a fumaça um pouco mais rápido e volto a falar:

- Você me desanda, me contradiz, faz com que eu tropece, me sinta fraco, oprimido, chorão, desgastado, infeliz, pesado com tantas armas. Eu não sou mais assim. Sinto que evolui bastante e continuaste a lembrar das dores que um dia sentiu, sempre a justificar que esse é o único meio de mantermos a salvo de possíveis dores de um futuro que a Deus pertence e que eu jamais conhecerei, pois aprendi que o meu futuro eu o faço desde agora, plantando alegria e felicidade desde agora.

- E por quê?

- Só por que você já passou pelas piores e terríveis situações na vida? Só por que você jamais teve sorte em um relacionamento a dois? Ou porque você já foi aliciado sexualmente quando criança? Ou será porque todas as pessoas em que você acreditou ingenuamente só te deram “caneladas e mais caneladas”. Ou será ainda deve ser porque você tem uma mãe que sempre só soube lhe oprimir e você, como o maior afetado do mundo, se sentia mal e eu o empurrava com barriga dizendo “Bola pra frente que na próxima o gol é nosso”.

- Ou porquê todas as vezes em que alguém se aproximava, você vinha à tona tomando meu lugar, fazendo com que eu desse espaço para dizeres o que sentia? E no final você sempre só me cagava o pau.

- E daí?

Dou uma tragada firme e solto com rapidez, com os olhos fitados nele, e digo:

- Eu também passei, mas nem por isso fico a lembrar dessas dores como a letra escarlate no meu peito sempre a mostrar meus medos, crises de ansiedade e dúvidas para todos e principalmente para quem gostamos, para que eles sintam pena e venham a nos acolher.

- Eu sinto que sozinho eu posso dar conta de mim.

Mais uma tragada e percebo que o cigarro está quase acabando, mais três tragos e acaba, eu penso.

- Não vejo perspectiva nenhuma em estares ao meu lado, senão quiseres trabalhar comigo, em conjunto, como ying-yang ou duas forças que se unem. Ao Invés de ver essa sinergia de pensamento, vejo uma crise, uma batalha feroz entre dois pólos da qual um anula o outro sem perceber e isso para mim não é viver de forma equilibrada.

Mais uma tragada fraca e sinto o quente da brasa que consome o tabaco, e só resta mais dois tragos. Neste momento, não desejo falar mais nada, não quero pensar em nada. Levanto-me do chão que já não se encontra tão frio e Ele se levanta também para ir ao quarto. Já está na hora de ir trabalhar e o dia, com certeza, será longo. Ele abre a porta e faz a gentileza de abrir caminho para que eu passe. Porém paro na entrada e viro para trás.

- É isso que eu gostaria de falar para você, sabia?

Dou um trago bem fraco e solto a fumaça bem leve, para dizer a Ele:

- Não quero que fique magoado por eu falar tantas verdades, mas precisas entender que tantas verdades assim, jogadas em ti, devem funcionar com impulso para o primeiro passo do que pode ser todo o resto, para entendas que sozinho eu consigo me virar. O Segredo para tudo é ter paciência e viver um dia de cada vez, sempre procurando compreender o que se passa. Sem colocar os medos e ansiedades em primeiro plano.

Meus olhos fixos nos olhos dele e continuo a ver uma penumbra de sofrimento, arrependimento e desgosto.

Dou mais uma tragada, desta vez forte e com uma raiva tamanha, grito:

- Eu quero evoluir nesta vida. Preciso que meu caminho esteja livre de barreiras, para que eu possa voar sem peso nenhum.

Levo a sola do meu pé até o peito dele com tanta rapidez, força e ódio que o chute frontal o faz voar sem emitir grunhido ou grito algum. Um chute no meio do peito sem dó nem piedade, sem justiça para qualificar nos autos que tipo de crime que acabara de ser cometido.

Ao ver a paisagem linda, com um brilho de luz sobre minha varanda vindo diretamente a mim, abro os braços com uma leveza que seria capaz de acreditar que é possível voar, só com minha vontade. Olho para baixo e vejo seu corpo espatifado, a cinco metros adiante e esboço um sorriso. Jamais havia dado um chute tão forte em alguém, ou melhor, em mim mesmo, tão fatal assim.

Dou a ultima tragada e jogo o cigarro no morto. Caminho em direção a porta do quarto, paro, olho para trás movendo a queixo até o ombro e solto um pequeno cuspe com o pigarro do maldito tabaco. Olho para frente e entro no quarto para me arrumar.

- Bom dia, vida! – digo a mim mesmo.

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